Primeiro Réveillon

quinta-feira, novembro 11, 2004

- Em que pensas?
- Ahn?
- Perguntei em que pensas.
- Ah... em nada.
- Não é o que parece.
- Estou bem - disse rapidamente. Demorou ao piscar. - Estou bem mesmo.
Ela estava próxima à janela. O céu estava nublado, impedindo as estrelas de observarem as pessoas. Do apartamento onde estava ela observava, altiva, a cidade vazia. Apenas um carro passava vez ou outra. (o mesmo carro, estaria perdido?) Fitou o prédio à frente. Nenhuma vitrine se manifestava, os vizinhos deveriam estar todos viajando ou em festejos. Riu-se do seu pensamento, "vizinhos"... ela mal sabia o nome do senhor que morava ao lado, e mesmo assim dispunha de cara de pau para chamar os habitantes do tal edifício de "vizinhos". Ela interrompeu seus devaneios auto-críticos ao sentir um peso em seu ombro direito.
- Você está linda - ele murmurou.
Ela repousou a taça no parapeito da janela e tomou a mão que estava em seu ombro entre as dela. Encostou seus lábios na mão estranha e balbuciou um "obrigada" sem importância. Os olhos dele brilhavam um brilho triste, deveria estar preocupado com ela. Os olhos dela fugiram dos questionamentos mudos, ah!, aqueles olhos negros, como ela se perdera neles... a ponto de estar ali, naquele momento. Sozinha. Solitária. Imóvel.
- Venha. Daqui a pouco soltarão os fogos.
- E conseguiremos vê-los?
- Ah! Que pergunta! Não acharás melhor local nesta cidade para assistir aos fogos. Já não te disse?
Foram em direção ao quarto. Pela janela, uma paisagem não muito mais interessante que a anterior. A cidade parecia ter vida longe, por detrás dos prédios. Ela não conseguia ver a multidão que deveria estar depois das construções, mas ela estava certa de que eles estavam lá. O vento beijava-lhe a face enquanto aconselhava serenidade. "Sim, estou serena".
- Nunca entendi a graça do Ano-Novo.
O contorno das bolas negras cresceu com a surpresa do comentário (ele estava acostumado aos longos períodos de quietude dela). Ele sorriu:
- Como não? Não sentes uma ansiedade incrível?
"Não", ela pensou.
- Acho que sim. - achou melhor dizer.
- Então! É adorável, não é? Venha, ajude-me a montar o tripé.
Ela abaixou-se um pouco, puxou o vestido de tecido delicado e o ajudou desinteressadamente. Ele já estava vibrando, mas por alguma razão ela não havia sido contagiada por sua intensidade. Nos bons dias, ela era outra pessoa. Gesticulava, fumava, falava alto. Hoje não era um bom dia.
- É quase hora...
A contagem regressiva começara. Agora ela ouvia a multidão atrás dos prédios - ou estaria imaginando? Os olhos negros esperavam impacientes, escondidos pela máquina fotográfica disposta no tripé. Ele quase gritou ao lhe dar a mão esquerda (mas sem desviar o olhar):
- Faça um pedido!
Ela vasculhou sua mente e não encontrou nada. "Um pedido..." Recordou-se de sua mãe lhe dizendo o mesmo. "Pedidos não se realizam".
Vários flashes estouraram com os fogos. Ela gostava dos vermelhos, eles pareciam maiores e mais distantes. "O céu... ah, o céu... por que não engoles logo esses fogos? Finges que não te importas... mas sei que essa companhia fútil te incomoda".
Ao fim dos fogos, ele levantou com a euforia típica da criança que ainda não terminou seus jogos no parque, a tomou nos braços e confessou, romântico:
- Pedi para que possamos estar juntos em todos os nossos Réveillons, como em nosso primeiro Réveillon... como hoje.
"Como hoje". Ela sorriu ao ouvir a bobagem em tom de segredo e parou por um instante antes de afirmar:
- Eu também.

1 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, vc escreve muito bem, mocinha! :)
Eh, eu admito, eu ja estou ansiosa com o ano novo q ainda nem ta tao perto assim. Vc sabe pq, ne? :) Vida nova, tow precisando disso!
Ah, e eu, nos ultimos 3 dias, tbm ando meio indiferente com as reacoes alheias. Ta, so com as reacoes recriminantes alheias.
Bjo! :*
Kika

 
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