terça-feira, agosto 08, 2006
Eu queria escrever um conto que flutuasse. Ele seria quase um sonho, e alcançaria as pessoas através do ar. E elas não entenderiam o que acontecia - a incômoda sensação de paz. O sorriso que não pede licença. As pessoas respirariam o conto, e devolveriam suas palavras com mais vida, a história cada vez mais rica de detalhes e de sonhos individuais. O conto seria expirado mais feliz, e assim passaria de pessoa para pessoa, cada uma se sentindo estranhamente bem e devolvendo ao mundo uma história mais completa.
E assim o dia transcorreria com mais naturalidade e com mais sol. Os cafés seriam tomados em xícaras grandes, gordas, ao som dos passarinhos. Os ônibus da cidade estariam limpos e - bem mais - coloridos. As mãos mais quentes, e os olhares mais brilhantes.
E ninguém perceberia mudança nenhuma, pois nada acontecera. Nada mudara nesse amanhecer, a paz não havia sido anunciada no mundo, e mesmo se tivesse, quem se importaria? Nada mudaria. Ah, mas meu conto mudaria as pessoas; entraria na alma delas e limparia a bagunça. As pessoas assoviariam e passariam a se importar com as outras. Elas chorariam quando sentissem vontade, e confiariam seus segredos às outras. Não, não! Não haveriam segredos. Apenas o mistério daquela súbita alegria, daquele sol tão esplendoroso, em uma manhã de terça-feira.